Sinopse
Numa cidade da Bahia, três tiros ecoam entre os atabaques do candomblé; dezenas de mãos apertam o gatilho. O calor febril do verão é intercalado por tempestades furiosas como lágrimas de Iansã, numa cidade mestiça magnetizada por superstições, paixões, fatalidades. Uma morte misteriosa fere a cálida estação: a vítima, Sofia do Rosário, retorna para a cidade natal depois de 20 anos no Rio de Janeiro. Ela é uma mulher divorciada e emancipada; uma mulher madura e sensual, que inspira temor e fascínio nos homens. Temor e repulsa na cidade, que não sabe lidar com sua figura desafiadora.
Em "Atire em Sofia", Sonia Coutinho rompe mais uma vez os tabus da “literatura feminina”, retratando uma geração de mulheres que desafiam a lógica dos papéis tradicionais – e se debatem entre a educação repressora e o apelo da liberação. Sua escrita sensível pinta um romance policial de tintas brasileiras, intenso e eletrizante como o ritmo do candomblé.
Resenhas
Jornal A Tarde (Salvador, 26 de julho de 2010)
Entrevista
"O QUE ME DÁ MUITA ALEGRIA É CONTINUAR ESCREVENDO"
VITOR PAMPLONA
Vinte anos depois de publicado, Atire em Sofia, romance mais conhecido da escritora baiana Sonia Coutinho, é reeditado pela editora carioca 7Letras.
Atire em Sofia fala de uma mulher que enfrenta dificuldades e preconceitos por viver só e ser independente. Depois de 20 anos, ainda é assim?
Esse problema não é tão insistente no livro. Se formou essa ideia porque eu sempre dei muita ênfase a personagens femininas, e minha literatura gira toda realmente em torno de mulheres. Nesse livro não, tem muitos personagens masculinos. Mas se formou essa ideia,embora lendo e relendo o livro se vê que ele tem muitos outros aspectos. Tem a questão negra na Bahia, por exemplo,que me interessava muito,a questão da hibridização de gêneros.Tem um pouco de romance policial, mas não é romance policial. Tem muito de literatura fantástica, toda hora tem transformações, aparições. Tem uma personagem feminina realmente, a Sofia, que enfrenta problemas porque é uma mulher sozinha, separou de um marido fazendeiro. Mas o livro não tem uma narrativa datada, porque está tudo na memória de uma pessoa. Pode ter acontecido agora ou há vinte anos. Aliás, o problema dela aconteceu muito tempo antes. É uma pessoa que lembra essa história.
Mas as situações pelas quais ela passa continuam atuais?
Essa é uma questão sociológica, acho que o problema, a questão da mulher, continua complicado. Internacionalmente, não só na Bahia ou Brasil. Recentemente li uma matéria mostrando que até hoje há diferenças salariais entre homens e mulheres. Em cargos iguais, a mulher ganha menos. A cara do poder, diz o professor de história da arte Fernando Cocchiarale, é um homem branco de 40 anos. Branco, nórdico, de 40 anos. O poder ainda está na mão dos homens, todos os cargos de chefia ainda estão majoritariamente com os homens. Quando eu fui trabalhar como jornalista no Rio, ser redatora, só havia redator homem. Mulher, só repórter. Hoje mudou, há mulheres em cargos de chefia, mas a chefia das redações continua só com os homens. Mas, como eu disse, o livro não é sobre isso, tem muitos outros aspectos. A negritude assumida, coisa que escrevi no final dos anos 1980, foi evoluindo. A questão do negro assumido, o casamento de branco com negro, tudo isso está no livro. Não é um livro sobre problemas femininos, isso é um detalhe. É um romance de literatura brasileira, com vários aspectos.
Como surgiram as mudanças da reedição? Partiram da editora?
Saí da Bahia muito garota, com vinte e poucos anos. E foi no Rio de Janeiro que me tornei jornalista mesmo. Minha vida era muito ocupada, trabalhei em O Globo por 15 anos. Minha escrita, por isso, sempre foi misturada com muita coisa que eu vivia na profissão. Eu não gosto de reler um livro quando termino de escrever. Mas depois de 20 anos,comecei a reler Atire em Sofia, naturalmente achei muita coisa que eu queria mudar. Meu editor, na 7Letras, acha que se eu falo em máquina de escrever o público jovem nem sabe o que é. Então fizemos uma atualização. Onde tinha máquina de escrever portátil virou computador portátil. Saiu um capítulo do livro, achei que era muito autônomo, que saía da narrativa. É o capítulo onde Sofia recebe a visita de um sujeito chamado Pablo, um militante político que tinha sido preso e virado homossexual, e tinha um amigo com Aids. Achei que era uma outra história, desviava muito da linha da narrativa do livro. Eu tirei, transformei num conto. Não mudou nada na narrativa, pelo contrário, compactou. Acredito que o livro está bem melhor agora e eu repudio a edição anterior. Quem leu faz favor de jogar fora e comprar a nova. É a minha opinião.Um outro livro meu, chamado Uma certa felicidade, eu também revi e acho que melhorou bastante.
Alguma passagem do livro foi mais interessante rever?
Trabalhei a linguagem, enxugando um pouco. A parte mais modificada foi esse capítulo retirado, mas no final também resolvi deixar uma certa ambiguidade. Antes parecia que o assassino era um jornalista conhecido de Sofia que enlouquecia. Na nova edição não se sabe, há uma dúvida quanto ao assassino.
Não há plano nessa história. Apenas o romance exige mais tempo. Então, o conto me vem mais espontaneamente. Tenho quatro romances, O jogo de Ifá, Atire em Sofia, O caso de Alice e O seio de Pandora. E seis livros de contos, não tem tanta diferença assim. Mas os contos, mais antigos, foram reeditados e apareceram mais. Participei de muitas antologias de contos. No Brasil e exterior. Acho que meu conto teve mais destaque. Nos últimos anos, publiquei só dois livros de contos inéditos. E meus contos antigos foram sempre reeditados. Então apareci mais como contista. Mas eu gosto muito de Atire em Sofia, modéstia à parte. É um dos meus melhoreslivros. Talvez seja até o que me agrada mais. Acho bem feito (risos).
Morei um tempo em Madri e comecei estudar história da arte. Vivia no Museu do Prado. A partir de então, continuo sempre ligada nisso. Mas com tanta coisa para fazer não dava para me dedicar. É uma coisa interior. Não sei aonde vai me levar. Pode ser que eu dê aula de história da arte, mas é um projeto um pouco vago.
Atualizado, livro ganha agilidade na narrativa e ressalta realismo fantástico
VITOR PAMPLONA
Reescrever um livro pode ser desejo de muitos leitores. Especialmente quando o rumo da história ou o destino de um personagem causa descontentamento. Para escritores, reescrever umlivro é quase sempre um suplício. Principalmente quando o encarregado da tarefa vê o próprio nome na capa. Receoso de modificar a própria obra, o autor pode virar escravo de sua suposta originalidade. Ao encarar a empreitada e atualizar Atire em Sofia, Sonia Coutinho desmistifica o trabalhode trair a si própria. O resultado é uma prova de fidelidade ao que o livro tem de melhor: clima misterioso, cenas delirantes e fantasia.
Atualidade
Sofia do Rosário, divorciada, madura e atraente, simboliza a independência feminina que assombrou o mundo e assustou os homens no século passado. O estereótipo da mulher livre é hoje uma personagem comum na sociedade e o fim do casamento deixou de ser um tabu, embora a liberdade sexual da mulher esteja longe de se equiparar à do homem. Apenas por isso, a figura feminina representada por Sofia é uma personagem fora de época, como o tipo de preconceito que enfrenta. Mas o livro, ressalta a escritora, não é uma peça sociológica. Sua atualidade é literária. As imagens que evoca continuam fortes: “(...) passou de carro pelo Largo do Bonfim, olhou em direção à igreja e viu no adro a mulher-leão alada, sereia terrestre (...). Hipnotizado, Fernando desceu do carro e caminhou na direção dela pela rua deserta. Num segundo, a Esfinge se transformou em princesa, fada, ovelha, negra, gata, pantera, em Iemanjá, numa mulher. Que, ávida de sangue e sexo,aproximou-se dele e o derrubou, sentando-se em cima do seu corpo”.
Mistura
Mais ágil e enxuta após a revisão, a estrutura do romance reforça o convívio de tradição e modernidade que caracterizaria a Bahia a partir da década de 1980. O candomblé mistura-se à cultura punk, a memória da invasão holandesa volta mais atual do que nunca e Maria Quitéria vai parar na Times Square, em Nova York. Em meio à atmosfera de romance de crime, Atire em Sofia fixa-se melhor na seção de romances fantásticos, embora não seja exatamente uma coisa nem outra. Um trecho afirma que se Fernando, o advogado que tenta resolver a trama, tentasse explicar o assassinato de Sofia ”só poderia dizer alguma coisa aparentemente ilógica e fora da realidade habitual”. E prossegue: ”Diria, talvez, que alguém deslocou, acidental ou intencionalmente, a pedra que cobre o umbigo do mundo, o omphalós, assim permitindo a escapada de criaturas diabólicas das profundezas da terra, emissárias do desastre e da loucura”. Atire em Sofia resulta um pouco dessa loucura.
Informação Adicional
Número de páginas | 164 |
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Ano | 2010 |
Formato | 14x21cm |
Edição | 1ª edição |
Número da revista | – |
ISBN | 978-85-7577-615-5 |